quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Vida é tocar, vida é trocar!


Eu tenho conhecido pessoas e suas histórias. Eu tenho conhecido pequenos fragmentos que escondem um Universo. Eu tenho aprendido com estas pessoas que sim, a vida tem várias maneiras de ser vivida, que o mesmo acontecimento é percebido de maneiras totalmente distintas. Tenho aprendido que ao se deparar com alguém que queira ouvir suas histórias, é quase que impossível não chorar, tamanha a vulnerabilidade da qual somos feitos. 
É incrível como as pessoas tem tanto a dizer sobre as suas vidas e ao mesmo tempo passam a maior parte do tempo evitando isso. É incrível como os corpos em que habitam que carrega suas histórias e por vezes representam o que pensam, sentem, são cheios de cicatrizes. É incrível o quão suas histórias são contadas por elas e carregam em seus olhos todo o tom que dão para suas vidas. 
      Surpreendente o tanto de tempo que vivemos de maneira irreflexiva, sem saber o porque de certas coisas fazerem a gente se sentir o que sente, o porque das pessoas provocarem certas reações e afetos, o porque de sermos como somos e vivermos como vivemos. Sem saber explicar. Não que eu tenha todas essas respostas, mas veja, isso é conhecer-se e conhecendo-se fica muito mais fácil escolher o que quer e o que não quer viver. 
É quase que surreal que homens e mulheres, adolescentes e crianças com a possibilidade de escuta desarmam-se e mostram quem realmente são e como realmente se sentem. Tenho me maravilhado com a possibilidade de conhecer detalhadamente alguém, de ouvir atentamente suas histórias e  por vezes ajudá-los a compreenderem quem são. 
Para além disso, ouvindo suas histórias tenho aprendido mais com eles do que a minha vida toda. Me disseram que isso é sabedoria. Eu aprendi com uma moça de sardas que as vezes o que nos acontece é provocado por nós mesmos e que perceber isso é tomar o controle de nossas vidas em mãos e finalmente nos livrarmos daquilo que acham que somos, para sermos quem realmente queremos. E isso me deu firmeza para eu não abrir mão de quem eu sou. 
      Aprendi com uma menininha de 6 anos e franjinha quadrada que mesmo na pior das hipóteses, no pior cenário, quando alguém cuida de nós ganhamos potencial de vida. E isso me ensinou a me deixar ser cuidada. 
      Aprendi com uma senhora de olhos azuis que nunca é tarde para reescrevermos nossas histórias, que sempre vale a pena tentar de novo. E ver ela tentar, ver ela descobrir-se assim, me deu forças para não desistir. 
Com uma jovem mãe de 29 anos aprendi da maneira mais dura que os nossos piores medos podem se tornar realidade, mesmo a gente tentando ao máximo evitá-los. Isso me fez ver que eu não tenho o controle de tudo, que a vida segue seu próprio rumo.      Eu aprendi o que era amor, quando uma senhora que estava sofrendo muito me pediu um pouco do meu tempo para aliviar o seu companheiro de vidas e dar ouvidos a ele e não a ela. Ela me ensinou que o amor prioriza o outro, o bem estar do outro, pois ver o outro forte, feliz e tranquilo, nos fortalece, nos faz feliz e nos tranquiliza.
Eu tenho aprendido que cada pessoa é um Universo e que a cada encontro com elas eu expando um pouco mais do meu. Que toda uma vida não será suficiente para se descobrir e aprender tudo o que ser humano é e tudo o que pode ser. Eu aprendi que tempo não é medido em horas, mas sim em qualidade, pois uma hora de riso bobo vale mais que duas de angústia. Que um minuto de choro, alivia anos de sofrimento. 
Eu tenho descoberto o quão as pessoas podem ser gratas quando a troca é sincera, mas isso não me livra de encontrar pessoas que ainda não estão prontas para tamanho desapego com o que acham que são. 
Por fim, todas essas histórias, esses fragmentos de vida, esse Universo por inteiro que eu tenho a chance as vezes de olhar só por alguns minutos, tem me ensinado mais sobre mim, sobre o outro e sobre a vida, do que eu jamais pudera imaginar. A vida é muito curta para aprendermos com os nossos erros e acertos, é preciso permitir-se conhecer a partir da experiência do outro. Vida é tocar a vida do outro na troca.  


domingo, 3 de setembro de 2017

Sobre minha dor: sobre a fibromialgia




  Como sabemos o que é real?
  Como sabemos o que é normal?
  Essas são algumas das piores perguntas que podemos fazer a nós mesmos. Pois, por mais que os filósofos, os cientistas e os religiosos tenham nos dado suas respostas, eles não podem garantir. Cada um pega uma teoria para si e acredita nela. 
  Para o louco os seus delírios são reais, ele jura que vê, ele jura que ouve, ele sente, ele toca, ele experiencia. E quem somos nós para dizer que não é real?
  O corpo em que eu habito costuma a ser a base para dizer o que é normal e o que não é, e para mim era normal sentir dor. Quem me conhece sabe que eu sou extremamente tolerante a dor. Que meus pés e mãos são gelados. Que eu tenho dias bons e ruins.  
  Desde que eu era uma menininha de uns 4 anos, magrelinha e dos cabelos cacheados, eu sentia dores nas pernas que eram inexplicáveis. Eu acordava no meio da noite chorando, gritando de dor. As pernas e os ossos doíam, como se alguém os apertasse. Minha mãe acordava ia até o meu quarto, me dava algum remédio e ficava comigo até eu dormir novamente. Eu fui crescendo e essas dores continuaram, lembro da minha irmã massageando as minhas pernas. Eu fiz todos os exames possíveis, todos são normais, não há nada de errado com as minhas pernas. 
  Com o passar dos anos elas foram diminuindo a frequência e por algum tempo eu esqueci como elas eram. As minhas dores agora eram outras. Enxaquecas fortes. Cólicas menstruais horríveis. Dores na lombar. Fraqueza. Dores no corpo e até mesmo alguns espasmos musculares. Até que durante a faculdade meu corpo passou a sucumbir vez ou outra. 
  Simples assim, um dia eu estava lá fazendo todas as minhas obrigações, sorridente e conversando com os meus amigos. No outro dia, eu não conseguia levantar, meu corpo todo doía, parecia que eu tinha sido atropelada por um caminhão, aparecia uma dor de garganta, uma febre, ou coisas mais sérias. 
  Eu dormia -e durmo- até 12h e mesmo assim acordava indisposta, com dores no corpo, dor de cabeça, dores nas pernas, com mãos e pés gelados. Tudo o que eu queria era ficar encolhida em minha cama, torcendo para que eu dormisse pesado o suficiente para esquecer da dor. 
  Faço terapia à alguns anos e frequentemente eu me perguntava: "Como eu vou aguentar a vida adulta?". Parecia sempre que meu corpo não colaborava comigo, que eu era cansada demais, não suportava a rotina como os outros. "Porque eu sou assim? Porque tão mole? Porque tão frágil?" Acredite, eu conheço a dor, eu suporto a dor, ela é real, eu não sei de onde vem e para onde vai, nem sei o que fazer para pará-la, pois não é sempre que os remédios, compressas e sono resolve. E era sempre eu, eu que talvez fosse frágil demais. Mas às vezes, do mesmo jeito que súbita ela vinha, num piscar de olhos sumia. 
  O jeito era: se acordava com alguma coisa assim, ou sentia algo, já deitava e ficava na minha. Passei a fazer exercícios, comer saudável, ter as 8h de sono por dia e levar a vida de uma maneira mais leve, tudo para evitar a dor. Porque eu sabia que quando ela vinha, demorava dias para eu me recuperar. 
  Este ano eu não tive e não tenho tempo para parar, estou no meu último ano da faculdade, com 5 estágios diferentes, 4 supervisoras diferentes e com 4 supervisões na semana, com relatórios e relatos para fazer. Esta é a vida adulta e é só o começo dela. Eu havia decidido que esse ano era o ano para eu aprender a aguentar como uma adulta. Ir com ou sem sono, com ou sem vontade, com dor ou sem dor. Não tenho tempo de ficar doente. Não vou ficar doente. 
  Mas, às vezes os nossos piores medos se tornam realidade. E tudo que ainda podemos fazer é o nosso melhor e torcer para o melhor. A verdade é que eu aprendi que tenho que viver um dia de cada vez, o dia sem dor e o dia com a dor,  porque a realidade é que tudo o que temos, é o agora e eu simplesmente o amo. Não posso garantir minha disposição para amanhã, não posso ter certeza se terei um bom dia ou péssimo dia. Me desculpa, mas foge do meu controle. Eu acreditava piamente que era normal, que todo mundo sentia esse cansaço, que todo mundo sentia dores, que eram reações ao estresse ou até mesmo que eu era fraca demais.
  É aí que o meu diagnóstico chegou: Fibromialgia. 
  A Fibromialgia é uma doença misteriosa, ninguém sabe se é causa ou consequência, se começa no corpo e passa a ser psicológica, ou se é psicológica e vai para o corpo. Alguns chamam de psicossomática. Outros chamam de histeria do século XXI. Não me importa. A dor é real e nós  que possuímos fibromialgia acreditamos que é real, porque precisamos que seja, porque seria sem sentido se não fosse, porque qualquer indício de que não seja é enlouquecedor. Portanto, não nos diga o que acha, seja paciente conosco.
  Eu convivo com ela há algum tempo e não sabia seu nome, é como se me apresentasse um estranho familiar, como aquelas pessoas que vemos todos os dias e não sabemos o nome. De certa maneira, eu fiquei aliviada com o diagnóstico, pois finalmente entendi que realmente meu corpo não tem colaborado comigo e com todo o suporte que eu tenho, tenho aprendido a colaborar com o meu corpo, respeitá-lo, cuidar dele. 
  Não há cura. Há tratamento que amenize as dores. Ainda estou no começo, mas já sinto uma diferença. Passei a tomar a medicação indicada, fui a nutricionista para manter minha alimentação adequada e meu corpo saudável, continuo com a minha psicoterapia que tem me ensinado a entender os meus limites, a identificar quando e como ela parece e etc, a academia admito que anda meio parada, mas juro que volto. 
  Aos meus amigos só tenho a pedir desculpas pela falta de disposição nos rolês, eu dou meu melhor, vocês sabem disso. A família fica o agradecimento por acreditarem em mim, por cuidarem de mim e por me respeitarem nos dias ruins. As pessoas que tem, ou que convivem com pessoas que tem, por favor, ame-os, se não melhorar a dor, pelo menos vai aquecer o coração.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

"13 Reasons Why" quais são e como lidar com os temas abordados?



            Ei, vamos conversar sobre essa série (que é um livro) que tá dando o que falar? Pode ser que as coisas que eu escreva aqui sejam consideradas spoilers, mas eu vou escrever mesmo assim pois uma série dessas não pode ser assistida sem uma reflexão séria e crítica sobre vários pontos. Sim, o intuito da série é que você saia da sua zona de conforto e reflita sobre isso, mas pra deixar tudo certinho e não romantizarmos vários assuntos como o suicídio, proponho que leia esse post até o fim. 
            A série estreou dia 31 de março e já ganhou repercussão internacional e milhares de fãs por todo o mundo. Inclusive, campanhas com hashtags tem sido divulgadas com o intuito das pessoas não serem um motivo para alguém se matar, uma estratégia boa para discutir bullying, crimes virtuais, abuso sexual, machismo, despreparo das escolas, famílias e todos nós em relação à esses tópicos e o principal o suicídio.
"13 Reasons Why" merece toda a nossa atenção por tratar de um tema tão delicado em uma perspectiva nova: a história de um suicídio contada pela própria pessoa que o cometeu. Sim caro leitor, depois de Hannah ter cometido o ato não tem como nós torcermos para sua história ser diferente, ela não vai aparecer no fim da série e ter tudo aquilo que desejou em vida. Um golpe duro para os telespectadores que estão acostumados com séries que tratam de assuntos muito parecidos, mas que mudam para comercializar novas temporadas ou mesmo banalizam e romantizam o tema da morte, como por exemplo: "Pretty Little Liars", "American Horror Story: Murder House" e "Scream Queens". Lógico que a lista não para por aí e podemos incluir inúmeros filmes com a temática da vida dos adolescentes, mas isso fica para outro post. 
Vamos lá, eu me propus à assistir a série atentamente para não deixar escapar nenhum detalhe da trama e ver se ela ia se propor a abrir a discussão para além dos motivos pessoais da jovem Hannah Baker e colocar políticas de enfrentamento. Os 13 motivos para o suicídio de Hannah você encontra abaixo, se não quiser ter spoilers pule a parte das imagens com as descrições e leia à partir do aviso grifado em amarelo.

1. Justin tirou fotos da jovem e divulgou com uma história deturpada de como foi o seu primeiro encontro. Isso foi devastador para ela, pois as fotos foram divulgadas e todos da escola passaram a julgá-la sem ao menos terem-na conhecido.
2.  Jessica Davis foi uma das primeiras amigas dela com a qual ela conseguiu se sentir segura e incluída. Mas devido um acontecimento a amizade foi interrompida e Hannah de novo foi vítima de uma mentira que voltou a taxá-la como vagabunda e fácil.
3. Alex Standall foi um dos primeiros amigos dela que também propiciou esses sentimentos de inclusão e segurança, porém ele foi o motivo pelo qual as duas amigas se separaram, como se não bastasse os rumores e nota (referente ao corpo) que o jovem lhe atribuiu deu abertura para que outros jovens também a objetificassem.
4. Tyler Down perseguiu a jovem dentro e fora dos muros da escola, registrando e divulgando fotos íntimas de Hannah Baker. O que é crime e sem mas ou mais. 

  
5. Courtney tentou ajudar Hannah na descoberta de quem seria essa pessoa que a perseguia, mas ambas se beijaram - o que foi registrado e divulgado por Tyler- insegura de sua sexualidade e não querendo assumir a mesma, Courtney negou o acontecido e espalhou boatos falsos e de conteúdo agressivo sobre a jovem para dispersar os olhares e rumores dela mesma. O que mais uma vez por conta da fetichização das relações homossexuais entre mulheres acarretou em assédio desmedido de Hannah (que aliás era hétero). 
6. Marcus Cole é mais um dos babacas machistas que assediou a jovem por conta dos boatos e reagiu agressivamente quando ela lhe disse não. 
7. Zach Dempsey foi prestativo com ela no ocorrido com Marcus, mas também foi um babaca machista quando ela lhe disse não e ele a culpou pelas coisas que ocorriam com ela. Como se não bastasse o mesmo passou a boicotar os recados de elogios que a jovem recebia em uma aula, o que era importante para ela se sentir acolhida e que alguém ligasse para ela. Após ter descoberto isso, Hannah o procurou e lhe contou tudo o que sentia, ele despreparado para lidar com a temática ignorou. 
8. Ryan Shaver apropriou-se de conteúdo íntimo e expositivo da jovem -um poema- para divulgação em sua revista. De novo Hannah Baker que tentava se adequar, achar seu espaço, se sentir segura foi exposta e humilhada por conta de sujeitos com interesses próprios. 

9. Justin -novamente- e Hannah presenciaram e sabiam do estupro de Jessica (citada acima), ambos não conseguiram evitar, enfrentar e denunciar o abusador. De novo machismo sendo responsável pelo adoecimento psíquico da jovem.
10. Sheri Kurtz bateu o carro em uma placa de "Pare" de um cruzamento. Por medo de punições não avisou autoridades e deixou o local e a Hannah no mesmo, pois ela não queria compactuar com isso. Tal erro foi responsável pela morte de um outro personagem, fato que a Hannah não conseguiu se perdoar.
11. Clay Jensen é o amor de Hannah e Hannah o amor de Clay Jensen. A história se passa no momento em que o jovem ouve as fitas de Hannah sobre os motivos pelos quais ela se matou. Ele parece ser um dos poucos que assume sua responsabilidade e negligência perante a jovem. Seu motivo é que -assim como muitos de nós- ele não conseguiu dizer para a pessoa que amava um "eu te amo" e o quão ela era importante para ele enquanto ela estava viva.
12. Bryce walker estuprou Hannah e outra jovem -o machismo mata todos os dias-. A certeza de impunidade do Bryce, o medo de Hannah perante o agressor e as marcas que tal ato deixou não apenas em seu corpo mas em sua relação com o mundo fez com que Hannah pensasse em dar fim à própria vida.
13. Mr. Porter, ah esse meus amigos, esse é a cara do fim. Esse é quem podia realmente ter ajudado Hannah. Esse é quem deveria ter ajudado Hannah. Esse é quem supostamente é o mais preparado para ajudar Hannah. Mas não, ele não estava preparado, ele não conseguiu por pura incompetência e machismo. Ele é o conselheiro da escola, cargo para ajudar (aconselhar) os jovens em todos os assuntos desde escolha profissional até questões pessoais, cargo que pelo que pesquisei lá não exige formação específica, apenas cursos de algumas horas. Aqui no Brasil esse cargo não existe oficialmente, mas se assemelha ao espaço ocupado por psicólogos escolares e assistentes sociais nas escolas. Mas me desculpem, não acredito e sei que a grande maioria das escolas não possuem esses profissionais e se possuem são poucos os com formações adequadas. Então, acredito eu que aqui e lá estamos brincando com vidas quando não nos preparamos suficientemente para lidar com os adolescentes. 

ACABARAM OS SPOILERS

Bom, após levantar todas essas razões, Hannah Baker veio a cometer o suicídio. Vamos falar sobre ele? Descobri ainda ontem que a imprensa possui um código interno que é a não divulgação de suicídios e cartas ou outras coisas - na série são fitas- que esclarecem os motivos pelos quais a pessoa chegou às vias de fato, as exceções são quando se trata de pessoas famosas/importantes e casos que são acompanhados de homicídio. Mais detalhadamente você encontra as explicações aqui: http://observatoriodaimprensa.com.br/diretorio-academico/o-suicidio-na-pauta-jornalistica/
Porém, fiquei me questionando sobre o tabu entorno do tema, porque sim: temos medo que as pessoas se matem e queremos nos ausentar da responsabilidade por tal ato. Sim, isso pode acontecer, afinal eu estou vendo um monte de gente colocando que se sente como a Hannah Baker, que é a Hannah Baker, que entende os motivos dela, que as pessoas e o mundo é uma droga e a vida parece uma rua sem saída. Mas, ao conversarmos abertamente sobre isso talvez possamos enxergar as coisas de uma outra maneira. 
Veja bem, apesar de todos esses motivos trazerem uma dor profunda ao ponto de alguém achar que não tem mais saída, de não suportar a existência ou co-existir com pessoas (personagens) como as listadas acima, eu ainda vi inúmeros motivos pelo qual Hannah Baker deveria viver, talvez se algum dos personagens acima fossem minimamente sensível ou preparado para conversar sobre isso. Mas eu estou preparada? Você está preparado? Estamos preparando nossos jovens? Existem profissionais preparados? Existem políticas de enfrentamento nos mais diversos espaços para isso? 
Eu coloco aqui uma lista de tópicos que precisamos conversar, eu aconselho que leia para que caso suspeite que alguém esteja passando por essa mesma situação, ou que você mesmo já passou por isso reflita. 
1.      Suicídio:
A pesquisa mais recente que eu tive acesso -link disponível ao final do tópico- conta que cerca de 900 mil pessoas cometem suicídio todos os anos. 
-Dos 15 aos 35 anos o suicídio é a causa de morte mais frequente dessa população.
-Para cada suicídio há de 5 à 6 pessoas em média que sofrem consequências emocionais diretas.
- A cada 100 mil habitantes no Brasil, em média 4 cometem o suicídio. 
- O suicídio é mais frequente entre homens do que mulheres, porém o número entre as mulheres é mais crescente que os homens.
-   Estima-se que o número de tentativas de suicídio supere o número de suicídios em pelo menos 10 vezes.
- Existem fatores de risco do suicídio, que são: transtornos mentais, sociodemográficos, psicológicos e condições clínicas incapacitantes.
- Transtornos mentais: depressão, uso de substâncias psicoativas, transtornos de personalidade, esquizofrenia, ansiedade.
- Sociodemográficos: sexo masculino, faixa etária entre 15 e 35 anos, acima de 75 anos, estratos econômicos extremos, desempregados, aposentados, isolamento social, solteiros ou separados, migrantes e imigrantes.
- Psicológicos: perdas recentes, perdas de figuras parentais, dinâmica familiar conturbada, datas importantes, reações de aniversário, personalidade impulsiva/agressiva/instável.
- Condições clínicas incapacitantes: doenças incapacitantes, dores crônicas, lesões desfigurantes, epilepsia, trauma medular, câncer, aids.
- O SUS possui uma rede especificada e especializada no atendimento de pessoas suicidas, com os transtornos citados acima e outros, assim como atendimento dos familiares dos pacientes, chama CAPS (Centro de Atenção Psicosocial), que é inteiramente gratuito para qualquer um, vai desde atendimento clínico psicológico até a disponibilização dos fármacos necessários e indicados por médicos.
            Ou seja, o suicídio não é apenas de pessoas com transtornos mentais, ele abrange várias faixas etárias e ambos os sexos. Sim, com tratamento adequado e atento aos sinais que as pessoas podem demonstrar pode haver uma prevenção, mas para tal ocorrer é necessário que as pessoas conheçam o assunto.

2.     Depressão:
A personagem Hannah Baker apresentava todos os sinais/sintomas de depressão que passaram despercebidos por todos ao seu redor, por isso vou citá-los:
-sentir-se triste, durante a maior parte do dia, quase todos os dias;
 -perder o prazer ou o interesse em atividades rotineiras (anedonia);
 -irritabilidade (pode substituir o humor deprimido em crianças e adolescentes);
 -desesperança;
 -queda da libido;
 -perder peso ou ganhar peso (não estando em dieta);
 -dormir demais ou de menos, ou acordar muito cedo;
 -sentir-se cansado e fraco o tempo todo, sem energia;
 -sentir-se inútil, culpado, um peso para os outros;
-sentir-se ansioso;
-sentir dificuldade em concentrar-se, tomar decisões e dificuldade de memória;
- ter pensamentos frequentes de morte e suicídio.
·         Algumas dicas para o diagnóstico da depressão: pergunte sobre coisas do dia-a-dia que o indivíduo gostava de fazer, como, por exemplo, ver uma novela, brincar com o cachorro, ler o jornal, escutar música e etc, depois pergunte se ele continua fazendo e tendo prazer ao fazer tais atividades, se ele se anima com coisas positivas que estão para acontecer, se tem esperança, se a tristeza que ele está sentindo é diferente da tristeza que ele já sentiu quando viveu outras situações difíceis. Pergunte sobre o desejo de estar morto, ou de se matar. Quando, além de depressão, o sujeito se mostra desesperado, o risco de suicídio é maior.
·         Algumas dicas do que não falar se você acha que a pessoa está com depressão ou deprimida: “No lugar dele eu também estaria deprimido.”; “Esta depressão é compreensível; não precisa de ajuda.”; “Depressão só dá em quem tem fraqueza de caráter.”; “Você só está estressado...”; “Depressão é uma conseqüência natural do envelhecimento.”; “Só depende de você: força de vontade cura a depressão!”; “Antidepressivos são perigosos;”; “Psicólogo é coisa de louco”; “Vá na Igreja”; “É falta de Deus”. Quando as pessoas dizem “eu estou cansado da vida” ou “não há mais razão para eu viver”, elas geralmente são rejeitadas, ou então são obrigadas a ouvir sobre outras pessoas que estiveram em dificuldades piores. Nenhuma dessas atitudes ajuda a pessoa sob risco de suicídio.
·         Como ajudar alguém:
-O primeiro passo é achar um lugar adequado, onde uma conversa tranquila possa ser mantida com privacidade razoável.
- O próximo passo é reservar o tempo necessário. Pessoas com ideação suicida usualmente necessitam de mais tempo para deixar de se achar um fardo. É preciso também estar disponível emocionalmente para lhes dar atenção.
- A tarefa mais importante é ouvi-las efetivamente. Conseguir esse contato e ouvir é por si só o maior passo para reduzir o nível de desespero suicida. O objetivo é preencher uma lacuna criada pela desconfiança, pelo desespero e pela perda de esperança e dar esperança à pessoa de que as coisas podem ser melhor.
-Uma abordagem calma, aberta, de aceitação e de não-julgamento é fundamental para facilitar a comunicação. Ouça com cordialidade. Trate com respeito. Empatia com as emoções. Cuidado com o sigilo.
- Como se comunicar: Ouvir atentamente, com calma. Entender os sentimentos da pessoa (empatia). Dar mensagens não verbais de aceitação e respeito. Expressar respeito pelas opiniões e pelos valores da pessoa. Conversar honestamente e com autenticidade. Mostrar sua preocupação, seu cuidado e sua afeição. Focalizar nos sentimentos da pessoa.
- Ajude a pessoa a entender que há tratamento e ajude ela a procurar e frequentar o mesmo.
·         Etapas do tratamento da depressão psicoterápico e/ou farmacológico: Aproximadamente ⅔ das pessoas com episódio depressivo melhoram com o primeiro antidepressivo. Em geral, há demora de cerca de duas semanas para início de ação dos antidepressivos. São necessárias, no mínimo oito semanas para retorno ao humor de antes da depressão. É fundamental, após a remissão dos sintomas, a continuidade do tratamento na fase de manutenção. O tratamento completo tem duração mínima de seis meses, a partir da remissão completa dos sintomas. Quando há recorrência da depressão, quando a intensidade é grave ou em caso de idade avançada, o tratamento mínimo vai de dois anos até o resto da vida, em alguns casos. Os antidepressivos não são recomendados para o tratamento inicial da depressão leve. Deve ser tentada psicoterapia primeiramente. Nos casos de depressão moderada e grave, os antidepressivos devem ser iniciados e associados com alguma forma de psicoterapia. O maior risco associado à depressão é o aumento da mortalidade, em especial por suicídio. Nas primeiras semanas, em uma minoria dos pacientes, pode haver uma intensificação da ideação suicida, independentemente da classe de antidepressivo usada. Para lidar com o problema anterior, recomenda-se retornos próximos, avisar o paciente e familiares e garantir acessibilidade de ajuda.
**Obs.: Essas informações foram retiradas do link já disponível no tópico anterior.

3.      Bullying
A jovem Hannah Baker era sim vítima de Bullying, eu e você precisamos ter isso claro para que não deixemos escapar da próxima vez que vermos algo parecido acontecendo. Bullying traz consequências marcantes na vida psíquica e social da criança/adolescentes, podendo ser fatal tanto em caso de suicídios quanto de homicídios.
O Bullying compreende todas as formas de atitudes agressivas, realizadas de forma voluntária e repetitiva adotadas por um ou mais estudantes contra outro (s), causando dor e angústia e realizada dentro de uma relação desigual de poder. Estas agressões podem ser:
-Físicas: tapas, beliscões e chutes.
- Verbais: apelidos de conteúdo depreciativos, xingamentos.
- Morais: intimidações, ameaças, fofocas e rumores.
- Sexuais: assédios (verbais de conteúdo sexual, passar a mão com e nas partes intimas da pessoa sem o consentimento) e abusos (qualquer atividade sexual sem consentimento é estupro).
            A personagem foi vítima de todos os citados acima e mesmo assim as pessoas não perceberam ou não taxaram como por conta de desconhecimento. Os pais não perceberam por não se atentarem aos sinais que ela demonstrou e estes são alguns: passar a ter baixo rendimento escolar, evasão escolar (faltar a aula ou arranjar motivos para faltar), sentir-se mal antes de ir para a escola, roupas ou material escolar estragados após a aula, alterações de humor, hematomas e ferimentos pós período escolar, carregar objetos de defesa pessoal para ir a aula.
Essas e outras informações encontram-se disponíveis nesse link: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Cartilhas/bullying.pdf 

4.      Fotografar e expor

Hannah Baker ao ser fotografada pelo colega de escola –também menor de idade- em cena íntima foi vítima de um crime, a divulgação do mesmo também é crime que no Brasil tem especificado no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente.

5.      Violência contra a Mulher
Hannah Baker foi assediada e estuprada. Precisamos falar sobre isso porque não é exclusividade da personagem, pois é uma vulnerabilidade e realidade de gênero. Aqui no Brasil os números são alarmantes, atualmente em um ano:
-12 milhões sofreram agressão verbal;
- 5 milhões sofreram ameaça de violência física;
- 3,9 milhões sofreram violência sexual;
- 1.9 milhões foram ameaçadas com algum tipo de arma e/ou faca;
- 1,4 milhões foram espancadas e/ou estranguladas;
-257 mil levaram um tiro.  
Então vamos conversar do porque isso acontece e porque não estamos conversando sobre isso? Primeiro, você sabe o que é um estupro e um assédio sexual?
  -Estupro: é a prática não consensual do sexo, imposto por meio de violência ou grave ameaça de qualquer natureza por ambos os sexos. Ele consiste em qualquer forma de prática sexual sem consentimento de uma das partes, envolvendo ou não penetração. Ainda que o estupro vitime ambos os sexos, as mulheres são as vítimas historicamente mais atingidas.
 - Assédio Sexual: pode ser definido como avanços de caráter sexual, não aceitáveis e não requeridos, favores sexuais ou contatos verbais ou físicos que criam uma atmosfera ofensiva e hostil.
Segundo, porque Hannah não denunciou? Existem diversas explicações para uma mulher não contar os episódios de violência. Eis alguns exemplos –dentro de vários citados no link abaixo- que explicam os porquês da jovem ter feito isso:
- Sente-se envergonhada e humilhada ou mesmo culpada pela violência.
-Teve más experiências no passado, quando contou sua situação.
- Sente que não tem controle sobre o que acontece na sua vida.  Crê que suas lesões e problemas não são importantes.
-Pertence a um âmbito cultural/social em que esses abusos são tolerados ou mesmo compreendidos como “naturais”
Terceiro, porque os amigos que sabiam do abuso não só dela não denunciaram? Simples, o abusador e os colegas acreditam nesses motivos:
- que algumas mulheres merecem ou pedem o abuso, ou, ainda, que gostam de ser agredidas.
-que a violência contra mulher é um problema só do casal e “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher
-que não vai adiantar procurar a delegacia de polícia.
-que as mulheres são inimigas umas das outras, não são confiáveis, são traiçoeiras. -que a mulher é culpada da violência por ser uma mulher sedutora.
  Mas, quando a violência é crime? Segundo a Cartilha dos Direitos da Mulher: http://www.unfpa.org.br/Arquivos/cartilha_direitos_mulher.pdf
1.      Se alguém, por palavras gestos ou por escrito, amedrontou você prometendo fazer um mal injusto e grave, você foi vítima de um crime de ameaça.
2.       Se alguém a obrigou a ter contato íntimo contra sua vontade, sem ter completado uma relação sexual, você foi vítima de um crime de atentado violento ao pudor.
3.       Se alguém a acusou de um crime que não cometeu, você foi vítima de uma calúnia.
4.      Se alguém destruiu, suprimiu ou ocultou, em benefício próprio ou de outrem, documento público ou particular verdadeiro prejudicando-a, você foi vítima de um crime de destruição de documentos.
5.       Se alguém disse algo contra sua honra, na presença de uma ou mais pessoas, você foi vítima de um crime de difamação.
6.       Se alguém a obrigou a ter relações sexuais contra sua vontade, você foi vítima de um crime de estupro.
7.       Se alguém a induziu ou instigou a cometer suicídio ou prontificou-se a auxiliá-la para que o fizesse, você foi vítima de um crime de indução ao suicídio.
8.       Se alguém a ofendeu, mesmo que não seja na frente deoutra pessoa, você foi vítima de um crime de injúria. Se você sofre agressão física sem deixar marcas aparentes ou foi expulsa do lar conjugal, você também foi vítima de um crime de injúria.
9.      Se alguém lhe deu socos, bofetes e pontapés ou bateu usando objetos que a machucaram ou prejudicaram sua saúde, você foi vítima de um crime de lesão corporal.
10.  Se o agressor ou agressora tinha a intenção de matá-la, o crime é de tentativa de homicídio.
11.  Se alguém matou alguém, cometeu um crime de homicídio. Nesse caso, deve-se chamar imediatamente a polícia, em hipótese alguma tocar na vítima ou modificar a posição de tudo o que estiver à sua volta. A família e os amigos da vítima devem colaborar na investigação policial.
12.  Se alguém a impediu de entrar em qualquer edifício ou estabelecimento público ou privado, tais como hotéis, escolas, lojas, restaurantes etc. em função de sua raça, origem étnica, orientação sexual ou identidade de gênero, você foi vitima de um crime de racismo.
13.  Se alguém a ofendeu com palavras, gestos ou por escrito, referiu-se à sua raça ou origem étnica de forma pejorativa ou depreciativa, você também foi vítima de um crime de racismo.
14.  Se você é homossexual e alguém a ofendeu por sua orientação sexual, você foi vítima da homofobia.

Enfim, Hannah Baker foi vítima de vários crimes e agressões que passaram invisíveis e impunes. Talvez, o que faltou para esses jovens, para os familiares e para a escola tenha sido informações necessárias para entender que há medidas interventivas que podem e devem ser tomadas. Eu apresentei os temas aqui e as medidas que podem ser tomadas, mas acredito que o principal é sermos atentos, cuidadosos e afetivos ao tratar de relações humanas, pois ninguém sabe o que o outro está passando. 
Eu espero sinceramente que você assista  a série ou se já tenha assistido veja como temos responsabilidade emocional uns pelos outros, como nossas ações afetam diretamente as pessoas, o quão somos responsáveis pela alegria e dor do outro. Eu espero que tenha outras temporadas  que mostrem medidas combativas e auxiliadoras desses e outros temas no espaço da escola, que mostre o quão uma atitude, uma medida pode salvar uma vida e várias. 
Se você estiver passando por algo assim ou já tenha passado e quer conversar ou ajuda para lidar com isso eu me disponibilizo, pode entrar em contato. E acredite, você é importante, eu fiz esse post pra você, para os seus familiares te ajudarem, para que seus amigos saibam lidar com a sua dor, para os profissionais que venham a te conhecer saibam te atender adequadamente. 
Brenda Elisa. 

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Resposta ao Luiz Felipe Pondé!

ARTIGO
A mulher do século 21
Os meninos terão de se esforçar um pouco mais para conseguir uma espécime que ache que eles valem algum investimento
O que será a mulher do século 21? Refiro-me a gênero. Mais especificamente a mulher heterossexual, homossexual, bissexual e trans. Aquela que os homens procuram, mas não acham mais à mão. A mulher é capaz de vida inteligente? Ou será que ela pensa só em dar?
Minha hipótese é de que, à medida que ela ficar mais “inteligente”, mais ela se interessará por sexo. Mais ela ficará interessada em si mesma. Mesmo porque sexo com homens é muito fácil. Mais ela se perguntará, de fato, “o que eu quero pra minha vida?” – isso em vários momentos da vida.
Essa pergunta feminina tá tendo um efeito tão violento na cultura quanto o patriarcado (FAVOR INFORMAR-SE COM A OBRA “A ORIGEM DA FAMÍLIA, DA PROPRIEDADE PRIVADA E DO ESTADO” DE ENGELS). Casamentos serão opção. Filhos serão opção. O mercado de trabalho sofrerá com decisões femininas que aproximam as mulheres de carreiras corporativas e as aproximarão de trabalhos com mais sentido e menos estresse do que as atividades de casa. A opressão sobre a mulher vai acabar e, quando isso acontecer, os meninos ficarão bem perdidos em suas certezas desde os tempos de Cristo até o século 21.
Essa pergunta feminina acerca do que ela de fato quer na vida empurrará os meninos para a experimentação do próprio corpo  ou bonecas eróticas por puro desespero. A conta afetiva do sofrimento feminino com a emancipação feminina finalmente chegou. E será cara. Quem continuar a encher o saco achando que tudo é “culpada vítima” será identificado em locais públicos como responsável pelo fracasso da reprodução da espécie.

A OPRESSÃO sobre a mulher vai acabar
Eu sei que existe aquela piada sobre como é impossível satisfazer uma mulher e como elas são frígidas. Lamento dizer, mas isso nunca foi verdade. Melhor se ele vier empenhado, pode ser vestido de executivo de sucesso com terno alinhado. Ou vier vestido de médico ou bombeiro. Ou, no mínimo, de cueca e barba por fazer. Uma camisinha pra evitar as coisas indesejadas.
Sim, vai ficar difícil entender nós. Difícil também porque o machismo (aquele que entra embaixo dos lençóis) fez da sociedade seu palco. E muitos psicanalistas tontos olham e não sabem reconhecer o machismo quando ele diz “bom dia, estou aqui na sua cara!”
O machismo e o patriarcado (que não são a mesma coisa) como pacto social obrigaram a mulher a “estagnar”. Ela era obrigada a assumir vocabulários subjetivos, privilegiar (ou amaldiçoar no caso das “bruxas”) o mundo masculino. A mulher Evoluiu (sim, sou darwinista) num ambiente mais objetivo de caça, mais violento, com menos possibilidade de conversa. Daí ela, na maioria dos casos, gritar mais alto hoje em dia.
Os meninos terão de se esforçar um pouco mais para conseguir uma espécime que ache que eles valem algum investimento. Afora aquelas que simplesmente ficarão mais fortes, aderindo à moda feminista, querendo ser mais empoderada e dona de si (não tem coisa mais triste do que mulher desempoderada), incapazes de tomar alguma atitude, inseguras, que tremem diante da possibilidade de que alguém as chamem na rua, mas ainda tem os babacas de sempre que ainda não entenderam que as meninas estão mais bravas hoje em dia.
Na “ponta dos meninos”, o fato é que eles são fálicos. E não existe coisa mais chata que um cara que acha que tudo é à respeito do seu órgão genitor. A espécie se tudo der certo acabará pelas mãos de um “casal” em que ela será uma feminista e ele também, ou ela e ela, ou ele e ele, o importante é ser feminista. Deus dirá: “De fato esse negócio de amar o outro como a si mesmo, demorou, mas foi.”
Existe também a possibilidade (e muitos têm feito isso no Ocidente) de buscar opções mundo à fora. Um cara mais desconstruído de preferência que queira construir ao lado da mulher um mundo de mais igualdade, ainda não estragado pelo capitalismo e seu falo.
O homem do século 21 que quiser uma mulher terá de reaprender muita coisa, em vez de simplesmente acusá-la de ser “feminazi”. Menos falo e mais igualdade de gênero. Menos cobrança e mais cuidado. A mulher livre exige respeito, o homem livre terá que respeitar.

Brenda Elisa Rosa, feminista, estudante de psicologia, não tem títulos, mas é humilde.

domingo, 22 de janeiro de 2017

"As pessoas não mudam!"


Leia com bastante atenção cada palavra que eu disse, talvez, isso seja de grande utilidade em sua vida. 
-As pessoas não mudam. Não do jeito que você quer ou do jeito que elas querem. 
- Pô, mas se as pessoas não mudam quer dizer que temos que nos conformar com elas desse jeito?
-Não.
- Tá, então você tá dizendo que eu devo parar de insistir? 
- Não.
- Não tô entendendo, o que eu faço então? 
- Tá com paciência?
- Ah fala logo, você faz Psicologia e me diz que as pessoas não mudam?
- Então, vou te explicar, as pessoas não mudam ... - me interrompeu-
- Isso você já disse!
- Espera, você disse que tava com paciência.
- Ok, ok, pode falar.
- Então, as pessoas não mudam. Não é porque eu faço Psicologia que eu deva defender que elas mudam. Mas se eu disser isso sem me explicar podem dizer que a minha profissão é totalmente inútil. Portanto, eu vou te explicar o que é mudar.
- Verdade né? As pessoas que eu conheço que vão na terapia ou são loucos mesmo, ou querem mudar algo, seja nelas ou nos outros. 
- Pois é, tem grandes erros nessa sua fala aí, mas tudo bem, você nunca foi em um psicólogo e há até quem estuda ou já é psicólogo que repete aí.
- Nossa! - me olhou com uma cara de desprezo, como quem quisesse dizer: " Você tá se achando demais!" -
- Calma. É que assim, mudar é um verbo, ou seja em uma fala ele incita uma ação, não é uma aula de português, mas sim uma breve história sobre como a nossa própria fala tem que condizer com o que a gente faz. Você não pode dizer que vai mudar, se não fizer algo. Você também não pode dizer que fulano mudou, se ele não fez algo. Ou seja, mudar requer ação, não é algo imposto, não é algo que a pessoa não queira, ela precisa agir. 
- Nunca tinha pensado assim, mas me explica aí, se eu acho que fulano mudou por causa da siclana, eu tô dizendo que ele quis assim? 
- Não, não. Espera, nem toda mudança é consciente, mas deixa eu continuar com a explicação do português que pode ser que eu chegue aí. Mudar significa no próprio dicionário fazer ou sofrer uma modificação, como também, deslocar-se ou transferir para outro local. Essa segunda parte eu gosto mais, eu acho que o dicionário quis se referir à aquelas ocasiões em que mudamos de casa, mas eu vou usar aqui como deslocar, trocar, apresentar-se sobre outro aspecto. 
- Mano, você tá me confundindo.
- Juro que faz sentido. Pensa comigo, toda vez que a gente fala que fulano mudou, a gente quer dizer que ele tá diferente, que ele se apresenta de outra maneira, mas a verdade é que a gente sabe que fulano é fulano, ele não deixou de ser aquilo que ele era ou quem ele era, ele só mudou um ou mais aspectos. A gente dá uma certa essencialidade a ele, fala que no fundo, no fundo, ele ainda é o fulano que a gente conhece. 
- Tá entendi, mas se ele não é no fundo, no fundo quem a gente conhece, o que eu uso? 
- Aí é a parte que eu gostei de pensar quando tava brincando com os verbos. As pessoas não mudam, porque mudar significa que elas continuam as mesmas, mas só um pouquinho diferente. 
- Puts, de novo?
- É, quando a pessoa diz que ela quer "mudar", ou ela procura terapia para "mudar", ela na verdade quer dizer que ela quer revolucionar! - usei as aspas com os dedos as vezes que disse mudar-
- Aff mano, para, você tá muito com essas ideia de revolução. Cê tá me irritando com isso, já não me basta essas ideia sua de defender bandido, de problematizar tudo ... - respirei fundo, isso aí é conversa pra outro dia, pode ser que um dia lhes conte - 
- Não, calma, eu nem usei o dicionário ainda pra explicar o que significa revolucionar, nem o que eu quero dizer com isso no contexto da Psicologia. 
- Tá, tá, vai lá, mas você paga a próxima cerveja.
- Ok, eu pago, mas só porque eu acredito que de me ouvir, você vai revolucionar sua vida.- no fundo eu sei que a cerveja não tem nada a ver com isso, mas se esse era o preço pra colocar uma ideiazinha na cabeça, eu posso fazer isso.-
- Garçom! - garçom trouxe a outra cerveja e eu pude ter a atenção novamente para o que tava falando.-
- Continuando, revolucionar é um verbo de ação também, mas ele traz implicitamente o sentido de que não é algo que é feito sozinho, é algo que precisa de mais gente. No nosso caso aqui vou colocar esse mais gente o psicólogo e o sujeito. Portanto, mudar pode ser feito com auto ajuda, sozinho. Para revolucionar você precisa necessariamente de mais alguém e eu espero sinceramente que você não vá no tarot. - rimos-  Revolucionar no dicionário e para nós, é a ação conjunta de  transformar, ou seja, possuir uma nova forma, modificar profundamente algo, no nosso caso alguém. 
- Meu, cê já falou isso pra alguém? - concordei com a cabeça- Te bateram não? - rimos-
- Não, apenas não entenderam o que eu queria dizer e me disseram que eu tava pensando demais. Então, quando eu digo que quero "mudar", mas eu sei que isso vai gerar uma transformação muito grande, ou quando digo que quero deixar de ser o que ou como sou para ser algo diferente, eu estou dizendo que eu quero uma revolução "dentro" de mim, para mim, para os outros e para isso eu preciso de ajuda, eu indicaria o psicólogo. 
- Tá aí, gostei, agora sim eu entendi pra que serve essa sua Psicologia. 
- Melhor, agora você pode ver quem "mudou", ou seja mais ou menos o mesmo, e quem revolucionou. Desse jeito você vê as coisas com mais sinceridade, mais cruas. Porque as pessoas dizem que mudou, e na maioria das vezes elas estão dizendo que continuam a mesma coisa, se você acha que ela mudou, pule fora, se você ver que ela revolucionou vai, tenta, é um novo começo. Essa explicação te previne de ciladas amorosas por exemplo. - rimos-
- Vou começar a me apropriar desses termos aí.
- Fique à vontade, porém faça direito. Porque a sinceridade é que as pessoas não mudam, se mudam tanto é revolução, e alguém precisa explicar isso para elas. Somente com a revolução é que damos novas formas as coisas, isso vale para pessoas, gente em terapia, conversas de bar e política. 

Brenda Elisa.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

2017


Deu meia noite e alguém disse: "Já é 2017, feliz ano novo!". 
Desde que me lembro, nas viradas de ano eu vestia branco quase como necessidade, esperava ansiosamente pelo novo ano e fazia um pedido, um sussurro interno, rápido e silencioso para que ninguém percebesse. Começava os abraços, os sorrisos e às vezes lágrimas de alívio pelo fim de um cansativo ano. 
Tudo passava em questão de minutos, em casa uma lista de resoluções feita no ano anterior sobre as minhas próprias propostas para mim, me aguardava.  Eu realmente acreditava que cumpriria a lista de cabo a rabo, que não me frustraria, que aquele ano e que aquelas mudanças realizadas me fariam extremamente feliz. 
Ao final de cada ano eu revia minha lista, riscava o que tinha feito e adicionava na nova lista o que eu ainda não havia realizado. Confesso que a sensação era sempre a mesma, insatisfação e um desânimo total comigo mesma, mais um ano em que tinha falhado. 
 Em 2016 nem precisei pegar a lista para saber que havia falhado com a maioria das coisas que tinha planejado. Normalmente eu planejo coisas que não dependem só de mim, meu maior erro, achar que posso controlar o incontrolável.
 Mediante tal desapontamento, um sentimento de cansaço experienciado com tanta força e um certo alívio por ter suportado até o fim, eu quis olhar as coisas por um ponto de vista mais cuidadoso e carinhoso comigo mesma. Resolvi fazer uma outra lista, uma lista com as coisas não planejadas que me aconteceram. O balanço foi bem melhor que os outros que já havia feito. Com as coisas não planejadas eu havia me saído bem, algumas ficado ok  e outras eu havia simplesmente botado para fora, seja por palavras ou por realmente retirar algumas pessoas e coisas da minha vida. 
2016 definitivamente não foi o meu ano, aliás, esse negócio de achar que o ano faz a diferença é só um jeito de se ausentar da responsabilidade de mudar aquilo que te incomoda, que te faz mal. Colocar do lado de fora, algo que tem que ser mudado por dentro. Afinal, essa é a única mudança real que podemos fazer, mudar nossos velhos hábitos, jeitos, perspectivas e pensamentos, do mais é só torcer fortemente para que algo mudado dentro, mude o fora e volte pra dentro como um abraço. 
Nessa virada não teve sussurro, não me vesti de branco, não fiz lista, não fiquei ansiosa. Eu só abracei fortemente, sinceramente e desejei de coração aberto à todos um "feliz ano novo", mas pensando comigo mesma: "Que você seja feliz esse ano. Que saiba ser feliz no novo ano, ser feliz na saúde, ser feliz na doença, ser feliz no amor, ser feliz sozinho desafiando Tom Jobim, ser feliz com os outros, ser feliz consigo... Que felicidade seja sua prioridade!", pois eu sei que se você é feliz, é ela que te  faz correr atrás do resto.