Como sabemos o que é real?
Como sabemos o que é normal?
Essas são algumas das piores perguntas que podemos fazer a nós mesmos. Pois, por mais que os filósofos, os cientistas e os religiosos tenham nos dado suas respostas, eles não podem garantir. Cada um pega uma teoria para si e acredita nela.
Para o louco os seus delírios são reais, ele jura que vê, ele jura que ouve, ele sente, ele toca, ele experiencia. E quem somos nós para dizer que não é real?
O corpo em que eu habito costuma a ser a base para dizer o que é normal e o que não é, e para mim era normal sentir dor. Quem me conhece sabe que eu sou extremamente tolerante a dor. Que meus pés e mãos são gelados. Que eu tenho dias bons e ruins.
Desde que eu era uma menininha de uns 4 anos, magrelinha e dos cabelos cacheados, eu sentia dores nas pernas que eram inexplicáveis. Eu acordava no meio da noite chorando, gritando de dor. As pernas e os ossos doíam, como se alguém os apertasse. Minha mãe acordava ia até o meu quarto, me dava algum remédio e ficava comigo até eu dormir novamente. Eu fui crescendo e essas dores continuaram, lembro da minha irmã massageando as minhas pernas. Eu fiz todos os exames possíveis, todos são normais, não há nada de errado com as minhas pernas.
Com o passar dos anos elas foram diminuindo a frequência e por algum tempo eu esqueci como elas eram. As minhas dores agora eram outras. Enxaquecas fortes. Cólicas menstruais horríveis. Dores na lombar. Fraqueza. Dores no corpo e até mesmo alguns espasmos musculares. Até que durante a faculdade meu corpo passou a sucumbir vez ou outra.
Simples assim, um dia eu estava lá fazendo todas as minhas obrigações, sorridente e conversando com os meus amigos. No outro dia, eu não conseguia levantar, meu corpo todo doía, parecia que eu tinha sido atropelada por um caminhão, aparecia uma dor de garganta, uma febre, ou coisas mais sérias.
Eu dormia -e durmo- até 12h e mesmo assim acordava indisposta, com dores no corpo, dor de cabeça, dores nas pernas, com mãos e pés gelados. Tudo o que eu queria era ficar encolhida em minha cama, torcendo para que eu dormisse pesado o suficiente para esquecer da dor.
Faço terapia à alguns anos e frequentemente eu me perguntava: "Como eu vou aguentar a vida adulta?". Parecia sempre que meu corpo não colaborava comigo, que eu era cansada demais, não suportava a rotina como os outros. "Porque eu sou assim? Porque tão mole? Porque tão frágil?" Acredite, eu conheço a dor, eu suporto a dor, ela é real, eu não sei de onde vem e para onde vai, nem sei o que fazer para pará-la, pois não é sempre que os remédios, compressas e sono resolve. E era sempre eu, eu que talvez fosse frágil demais. Mas às vezes, do mesmo jeito que súbita ela vinha, num piscar de olhos sumia.
O jeito era: se acordava com alguma coisa assim, ou sentia algo, já deitava e ficava na minha. Passei a fazer exercícios, comer saudável, ter as 8h de sono por dia e levar a vida de uma maneira mais leve, tudo para evitar a dor. Porque eu sabia que quando ela vinha, demorava dias para eu me recuperar.
Este ano eu não tive e não tenho tempo para parar, estou no meu último ano da faculdade, com 5 estágios diferentes, 4 supervisoras diferentes e com 4 supervisões na semana, com relatórios e relatos para fazer. Esta é a vida adulta e é só o começo dela. Eu havia decidido que esse ano era o ano para eu aprender a aguentar como uma adulta. Ir com ou sem sono, com ou sem vontade, com dor ou sem dor. Não tenho tempo de ficar doente. Não vou ficar doente.
Mas, às vezes os nossos piores medos se tornam realidade. E tudo que ainda podemos fazer é o nosso melhor e torcer para o melhor. A verdade é que eu aprendi que tenho que viver um dia de cada vez, o dia sem dor e o dia com a dor, porque a realidade é que tudo o que temos, é o agora e eu simplesmente o amo. Não posso garantir minha disposição para amanhã, não posso ter certeza se terei um bom dia ou péssimo dia. Me desculpa, mas foge do meu controle. Eu acreditava piamente que era normal, que todo mundo sentia esse cansaço, que todo mundo sentia dores, que eram reações ao estresse ou até mesmo que eu era fraca demais.
É aí que o meu diagnóstico chegou: Fibromialgia.
A Fibromialgia é uma doença misteriosa, ninguém sabe se é causa ou consequência, se começa no corpo e passa a ser psicológica, ou se é psicológica e vai para o corpo. Alguns chamam de psicossomática. Outros chamam de histeria do século XXI. Não me importa. A dor é real e nós que possuímos fibromialgia acreditamos que é real, porque precisamos que seja, porque seria sem sentido se não fosse, porque qualquer indício de que não seja é enlouquecedor. Portanto, não nos diga o que acha, seja paciente conosco.
Eu convivo com ela há algum tempo e não sabia seu nome, é como se me apresentasse um estranho familiar, como aquelas pessoas que vemos todos os dias e não sabemos o nome. De certa maneira, eu fiquei aliviada com o diagnóstico, pois finalmente entendi que realmente meu corpo não tem colaborado comigo e com todo o suporte que eu tenho, tenho aprendido a colaborar com o meu corpo, respeitá-lo, cuidar dele.
Não há cura. Há tratamento que amenize as dores. Ainda estou no começo, mas já sinto uma diferença. Passei a tomar a medicação indicada, fui a nutricionista para manter minha alimentação adequada e meu corpo saudável, continuo com a minha psicoterapia que tem me ensinado a entender os meus limites, a identificar quando e como ela parece e etc, a academia admito que anda meio parada, mas juro que volto.
Aos meus amigos só tenho a pedir desculpas pela falta de disposição nos rolês, eu dou meu melhor, vocês sabem disso. A família fica o agradecimento por acreditarem em mim, por cuidarem de mim e por me respeitarem nos dias ruins. As pessoas que tem, ou que convivem com pessoas que tem, por favor, ame-os, se não melhorar a dor, pelo menos vai aquecer o coração.